Das periferias para a Unicamp

Ícone maior do rap brasileiro, Racionais MC’s quebram a barreira dos subúrbios e emprestam discurso de protesto e crítica social ao meio acadêmico.

Por Felipe Kemp Trindade
Com obra selecionada no vestibular da Unicamp, Racionais MC’s quebram nova barreira (Foto: Divulgação / Klaus Mitteldorf)

O rap é um gênero musical relativamente recente que vem conquistando muito espaço no cenário musical brasileiro, expressando críticas e dificuldades enfrentadas principalmente por habitantes de comunidades simples, muitas vezes criticando a estrutura de preconceito e exclusão em que o Brasil foi formado.

Neste contexto, é impossível discorrer sobre rap brasileiro sem citar seu principal expoente, os Racionais MC´s. Formado em 1989, o quarteto paulistano conquistou projeção e influência nunca vistas antes no país nesse tipo de gênero. Um exemplo dessa notoriedade ocorreu no ano passado, quando o álbum “Sobrevivendo no Inferno”, quarto trabalho gravado pelo grupo, foi selecionado como obra obrigatória no vestibular da Unicamp 2020. É a primeira vez que um disco é recomendado para a prova. O grupo de rap está na categoria poesia, ao lado de sonetos do português Luís de Camões e de “A Teus Pés”, primeiro e único livro lançado em vida pela poetisa carioca Ana Cristina Cesar, que já compunham o programa de 2019.

Em entrevista ao site G1 Campinas, o coordenador executivo da comissão organizadora do exame (Comvest), José Alves de Freitas Neto, disse que a escolha de um álbum dos Racionais MC’s para a lista de obras obrigatórias no vestibular 2020 da Unicamp deve aproximar estudantes da “leitura de mundo”. Para ele, as músicas de “Sobrevivendo no inferno” permitem uma abordagem da literatura que dialoga com o atual momento do país, e as transformações da universidade na busca por elevar a inclusão social.

“É a primeira vez que um disco entra na lista de obras literárias. Não devemos estranhar, afinal, as letras trazem uma visão da periferia e um conjunto de inferências que faz parte da produção textual […] Nas escolas é bastante comum o trabalho com músicas, assim como o reconhecimento de seu valor literário e de crítica da realidade social”, destaca o professor do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).

Saiba mais sobre a obra

“Sobrevivendo no Inferno” foi eleito o 14º melhor álbum da história da música popular brasileira, segundo a revista “Rolling Stones”. A conquista representou um grande avanço do gênero no país e um enorme passo para sua aceitação e reconhecimento dentro e fora das periferias, onde está a maior parcela do público que cultua o rap e o estilo de vida que ele representa.

O álbum é composto de 12 músicas, entre elas o clássico “Diário de um Detento”, que critica o famoso massacre do Carandiru, ocorrido em 2 de outubro de 1992, após intervenção da Polícia Militar do Estado de São Paulo para tentar conter uma rebelião no local, causando a morte de 111 detentos.

A ação das autoridades também é muito criticada em outras obras do grupo, como “Capítulo 4 Versículo 3”, revelando estatísticas sobre jovens negros e atitudes muitas vezes racistas de policiais militares.